sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Fosse... Foi... por Lucia Constantino

Fosse um grito
da raiz até a folha.
Ou fosse um som de violino
teria talvez perfurado os ventos
que noites adentro
a alma desfolham...
mas foi só aquele breve momento
de atravessar o mar
dentro dos olhos.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Lá fora, no Universo de Deus, as estrelas
brilham com luz suave e radiosa.
Cá dentro, na minha pobre choupana,
apenas uma vela que eu mesmo acendi
para iluminar o espaço de minha solidão.
Felizmente chegou o momento em que a vela se apagou.
Na penumbra do quarto, com medo de mim mesmo,
levantei-me e abri a janela.
Lá fora, no Universo de Deus, o firmamento
permanecia coroado de beleza e luz.
Deixei, então, a janela para sempre aberta.

Tagore Além das Estrelas

sábado, 11 de abril de 2009

Moralidade ou Ética - Lao-Tse

Quem vive nas profundezas do seu ser
Nada sabe de virtuosidade.
Dele brotam espontaneamente
As íntimas forças da vida.
Quem vive na superfície do seu agir
Não pode fazer brotar as forças profundas.
Quem vive nos abismos de sua alma,
Ignora a moralidade do seu agir.
Desconhece o que seja ego-agência.
Quem vive na superfície de sua alma
Age egoicamente, visando fins externos.
O amor impele ao agir,
Mas não quer nada para si.
A justiça impele ao agir,
Mas não age por ambição
A moral também impele ao agir,
E, se não consegue o que quer,
Recorre à violência.
Por isto, ó homem, reconhece:
Quem não tem a visão do Tao,
Age por virtuosidade.
Quem não tem virtuosidade
Age pela caridade.
Quem nem disto é capaz,
Obedece a ritos e tradições.
Mas a dependência de ritualismos
É o ínfimo grau da moralidade.
É mesmo o início da decadência.
Quem julga poder substituir pela inteligência
A cultura do coração,
Esse é um tolo.
Pelo que, atende a isto:
O homem correto
Age por uma lei interna,
E não por mandamentos externos.
Bebe as águas da Fonte,
E não dos canais.
Transcende estes
E vai sempre à origem daquela.

Fonte: Tao Te King, Tradução de Huberto Rohden

segunda-feira, 30 de março de 2009

Desceste do trono e ficaste à porta da minha choupana.
Eu estava cantando sozinho num canto, e a melodia chegou aos Teus ouvidos. Desceste e ficaste à porta da minha choupana.
Há muitos mestres-cantores na Tua morada, e aí são entoados cânticos em Teu louvor a toda hora. Mas a cantiga simples deste noviço atingiu o Teu amor. Uma melodia triste e pequena juntou-se à grande música do mundo, e como uma flor que se recebe como prêmio, desceste e ficaste à porta da minha choupana.

Tagore - Gitanjali

terça-feira, 24 de março de 2009

Noites amadas - Auta de Souza

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh'alma canta como a sereia,
Vive cantando n'um mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança, de mágoas nua...

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

sábado, 14 de março de 2009

Fizeste-me eterno, tal foi o Teu prazer. Este vaso frágil, Tu o esvazias a todo momento e o manténs sempre cheio de vida fresca.
Levaste pelos montes e vales esta pequenina flauta de cana silvestre, e soprando-a espalhaste melodias eternamente novas (...)

Não sei como cantas, ó meu mestre! Mas ouço-Te sempre em silencioso deslumbramento.
A Tua música ilumina o mundo. O sopro de vida da Tua música voa de céu em céu. A torrente santa da Tua música atravessa qualquer obstáculo pedregoso e espalha-se por todas as partes. (...)

Minha vaidade de poeta morre de vergonha diante do Teu olhar. Sentei-me a Teus pés, ó mestre e poeta. Deixa apenas que eu torne a minha vida simples e reta como uma flauta de cana silvestre, para que a enchas de música.

(de Rabindranath Tagore - Gitanjali - Oferenda Lírica)

domingo, 8 de março de 2009

UMA MULHER - de Lucia Constantino

à mulher - eternamente "vida, luz e amor"


Aquela mulher
que entrou no ônibus
com um fedor intenso
talvez já tenha sido um dia
um jardim suspenso.

Aquela mulher
com olhos de drogada
talvez já tenha sido um dia
uma fada.

Aquela mulher
com jeito de prostituta
talvez já teve um dia
que vender sua luta.

E chamaram-na de "entulho"
os que cheiravam a cachaça,
os que roem a vida que passa,
os que se deitam com meretrizes
porque são maridos felizes.

Afinada foi a orquestra
que acompanhou o "entulho".
Deus pode rir à beça
A espécie humana foi uma festa
e os anjos morreram de orgulho!

(Rio de Janeiro, 1990)


Poesia de Lucia Constantino
(Direitos autorais reservados)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Riqueza Intocada - Dario Veloso

Tudo sofre na Terra implacável mudança,
Pólo a pólo, alma a alma, em ritmo profundo,
Mês a mês, dia a dia e segundo a segundo,
A vida se refaz, aprimora-se e avança.

Reflete no museu onde a História descansa.
Bronzes, troféus, brasões, em repouso infecundo,
Mostram que a pompa humana é cinza para o mundo
Ontem, púrpura e sol; hoje, trapo e lembrança…

Força, fama, ilusão, graça, beleza e glória
Caem da ostentação da senda transitória
Nos arquivos do tempo - o eterno sábio mudo!…

Uma riqueza só permanece intocada,
A riqueza do bem que esparziste na estrada,
Luz a esperar-te além da alteração de tudo.


Dario Veloso
Poetas Redivivos - F. C. Xavier

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Face à Vida - Lucia Constantino

Não escureço a paz
com olhos de sono.
À minha volta, sei que a vida não dorme.
e que o grão não se espelha para germinar.

Volto o olhar para dentro de mim mesma
mas sem deslumbramento.
As rosas têm mais perfume do que eu,
as estrelas têm mais brilho do que eu,
a voz dos pássaros é mais bela do que a minha voz.

E a minha verdade ainda é uma menina de tranças
que precisa crescer.

Se estremeço diante dos pequenos portais
que devo atravessar,
sei que preciso me apoiar para continuar.

Meus sonhos podem não ter pés firmes
para me sustentar,
mas minha alma é filha do Sol
e sua luz é cajado no caminho.

Vou chegar.

Poesia de Lucia Constantino
(Proibida a reprodução)