segunda-feira, 30 de março de 2009

Desceste do trono e ficaste à porta da minha choupana.
Eu estava cantando sozinho num canto, e a melodia chegou aos Teus ouvidos. Desceste e ficaste à porta da minha choupana.
Há muitos mestres-cantores na Tua morada, e aí são entoados cânticos em Teu louvor a toda hora. Mas a cantiga simples deste noviço atingiu o Teu amor. Uma melodia triste e pequena juntou-se à grande música do mundo, e como uma flor que se recebe como prêmio, desceste e ficaste à porta da minha choupana.

Tagore - Gitanjali

terça-feira, 24 de março de 2009

Noites amadas - Auta de Souza

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh'alma canta como a sereia,
Vive cantando n'um mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança, de mágoas nua...

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

sábado, 14 de março de 2009

Fizeste-me eterno, tal foi o Teu prazer. Este vaso frágil, Tu o esvazias a todo momento e o manténs sempre cheio de vida fresca.
Levaste pelos montes e vales esta pequenina flauta de cana silvestre, e soprando-a espalhaste melodias eternamente novas (...)

Não sei como cantas, ó meu mestre! Mas ouço-Te sempre em silencioso deslumbramento.
A Tua música ilumina o mundo. O sopro de vida da Tua música voa de céu em céu. A torrente santa da Tua música atravessa qualquer obstáculo pedregoso e espalha-se por todas as partes. (...)

Minha vaidade de poeta morre de vergonha diante do Teu olhar. Sentei-me a Teus pés, ó mestre e poeta. Deixa apenas que eu torne a minha vida simples e reta como uma flauta de cana silvestre, para que a enchas de música.

(de Rabindranath Tagore - Gitanjali - Oferenda Lírica)

domingo, 8 de março de 2009

UMA MULHER - de Lucia Constantino

à mulher - eternamente "vida, luz e amor"


Aquela mulher
que entrou no ônibus
com um fedor intenso
talvez já tenha sido um dia
um jardim suspenso.

Aquela mulher
com olhos de drogada
talvez já tenha sido um dia
uma fada.

Aquela mulher
com jeito de prostituta
talvez já teve um dia
que vender sua luta.

E chamaram-na de "entulho"
os que cheiravam a cachaça,
os que roem a vida que passa,
os que se deitam com meretrizes
porque são maridos felizes.

Afinada foi a orquestra
que acompanhou o "entulho".
Deus pode rir à beça
A espécie humana foi uma festa
e os anjos morreram de orgulho!

(Rio de Janeiro, 1990)


Poesia de Lucia Constantino
(Direitos autorais reservados)