sexta-feira, 27 de junho de 2008

Humildade - Cecília Meireles

Varre o chão de cócoras.
Humilde.
Vergada.
Adolescente anciã.

Na palha, no pó
seu velho sári inscreve
mensagens ao sol
com o tênue galão dourado.

Prata nas narinas,
nas orelhas,
nos dedos,
nos pulsos.

Pulseiras nos pés.

Uma pobreza resplandecente.

Toda negra:
frágil escultura de carvão.

Toda negra:
e cheia de centelhas.

Varre seu próprio rastro.

Apanha as folhas do jardim
aos punhados,
primeiro;
uma
por
uma
por fim.

Depois desaparece,
tímida,
como um pássaro numa árvore.

Recolhe à sombra
suas luzes:
ouro,
prata,
azul.
E seu negrume.

O dia entrando em noite.
A vida sendo morte.
O som virando silêncio.


(in Cecília Meireles, Poesia Completa, volume2, Poemas Escritos na Índia)